quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O Tempo Não Anda para a Frente. A Realidade é um Código. E o que Isso Significa?

 

Introdução: Desmontando o Relógio Cósmico

Nossa experiência mais fundamental da realidade é o tiquetaque implacável do tempo. O passado é uma memória, o futuro uma promessa (ou uma ameaça), e o presente é este "agora" fugaz onde a vida acontece. Sentimos o tempo fluir como um rio, carregando-nos inexoravelmente para a frente.

Mas, e se essa sensação for apenas isso: uma sensação?

Um artigo recente da National Geographic (baseado no The Conversation) revisita uma das ideias mais perturbadoras da física moderna: o tempo, como o sentimos, provavelmente não existe. Albert Einstein já nos tinha avisado que o tempo é relativo — ele estica e encolhe dependendo da gravidade e da velocidade. Não existe um "agora" universal.

Se o "rio do tempo" é uma ilusão, onde estamos? E se essa ilusão for a chave para entender a própria natureza do "acaso" e do "propósito"?

Este artigo propõe uma fusão de duas ideias radicais:

  1. A percepção do tempo é uma ilusão gerada pela termodinâmica.

  2. O universo fundamental não é feito de "coisas", mas de "informação".

Ao cruzar esses conceitos, exploramos a pergunta central do Não Por Acaso: Se estamos vivendo numa espécie de "bloco" de informação, o que são as coincidências significativas (sincronicidades) que parecem sussurrar que nada é realmente por acaso?


1. O Tempo como Ilusão: A Seta da Entropia

O artigo da National Geographic faz um excelente trabalho ao resumir o problema. As leis da física (seja a relatividade de Einstein ou a mecânica quântica) não têm uma direção preferencial para o tempo. Nas equações, ir do passado para o futuro é tão válido quanto ir do futuro para o passado.

Então, por que o nosso mundo tem uma direção tão óbvia? Por que ovos se quebram e nunca se recompõem? Por que lembramos do passado e não do futuro?

A resposta não é uma lei fundamental, mas uma lei estatística: O Segundo Princípio da Termodinâmica.

  • O Conceito (para leigos): Este princípio afirma que a "entropia" (uma medida de desordem ou incerteza) do universo tende sempre a aumentar.

  • A Origem: Por alguma razão, o universo começou num estado de baixíssima entropia (altíssima ordem) no Big Bang.

  • A Consequência: Desde então, tudo tem "rolado morro abaixo", passando de estados ordenados para estados desordenados. Um ovo intacto é ordenado; um ovo quebrado é desordenado. É estatisticamente muito mais provável que a ordem se transforme em desordem do que o contrário.

A "seta do tempo" que sentimos não é o tempo a fluir. É a entropia a aumentar.

Nossa própria existência depende disso. Nossos cérebros criam memórias (que são registros ordenados) de eventos passados. Esse processo de "gravar" informação consome energia e aumenta a desordem geral do universo. Assim, psicologicamente, "lembramos" do passado (baixa entropia) e vemos o futuro como "aberto" (alta entropia, cheio de possibilidades).

O que chamamos de "passagem do tempo" pode ser apenas a nossa percepção psicológica dessa inevitável marcha para a desordem. O passado, o presente e o futuro podem coexistir igualmente num "bloco" de universo — nós é que só conseguimos experienciá-lo na direção da entropia crescente.

Pergunta ao leitor: Se o seu passado e o seu futuro já "existem" nesse bloco de universo, o que isso significa para o seu livre-arbítrio?


2. "It from Bit": O Universo como Informação

Se o tempo não é fundamental, o que é? Aqui entra a segunda ideia radical, popularizada pelo físico John Archibald Wheeler: "It from Bit" (O "Isso" a partir do "Bit").

  • O Conceito (para leigos): Wheeler propôs que a realidade física (o "It" — cada partícula, cada força, cada estrela) emerge de algo ainda mais fundamental: a informação (o "Bit" — uma resposta "sim" ou "não" a uma pergunta quântica).

  • A Analogia: Pense no mundo de um videojog. Ele parece real, tem paisagens, personagens e regras (física). Mas, fundamentalmente, tudo isso é gerado por um código — uma sequência de 0s e 1s. A realidade "sólida" do jogo é uma manifestação da informação subjacente.

  • A Implicação: E se o nosso universo for assim? E se a matéria, a energia e até o próprio espaço-tempo forem o "output" de um vasto processamento de informação quântica?

Neste modelo, a realidade não é um palco de coisas, é um processo informacional.


2.1. O "Recibo" Cósmico: Como os Buracos Negros Provaram que a Realidade é Informação

A ideia de "It from Bit" (O "Isso" a partir do "Bit") de John Wheeler parecia uma especulação filosófica fascinante. Mas foi nos objetos mais extremos do universo — os buracos negros — que essa ideia encontrou a sua mais forte evidência física.

A descoberta veio de um paradoxo que quase quebrou a física.

2.1.1. O Paradoxo da Informação

Na física quântica, há uma regra de ouro: a informação nunca pode ser destruída. Ela pode ser embaralhada, escondida ou transformada, mas o universo sempre "guarda o recibo" do que algo foi.

Os buracos negros pareciam violar esta regra. Se você jogasse um livro (cheio de informação) num buraco negro, ele desapareceria para lá do "horizonte de eventos". Stephen Hawking descobriu que os buracos negros "evaporam" lentamente, emitindo uma radiação (Radiação Hawking). O problema? Essa radiação parecia ser térmica e aleatória, não contendo nenhuma da informação do livro.

A informação do livro teria sido permanentemente apagada do universo. Isso era um desastre para a física.

2.1.2. A Solução: A Informação na "Superfície"

A resposta começou com o físico Jacob Bekenstein e foi completada por Hawking. Eles descobriram que os buracos negros têm, sim, uma propriedade que "guarda" a informação: a entropia.

Em física, a entropia está intimamente ligada à informação. É a medida de quantas maneiras um sistema pode ser organizado — ou, dito de outra forma, quanta informação é necessária para descrever esse sistema.

Mas aqui veio a parte que mudou tudo.

O senso comum diria que a informação/entropia de um buraco negro deveria ser proporcional ao seu volume (o espaço 3D dentro dele). Afinal, é lá que o livro "caiu".

Mas a matemática mostrou, inequivocamente, que a informação total contida num buraco negro é proporcional, não ao seu volume, mas sim à área da superfície 2D do seu horizonte de eventos (a "borda" de onde nada escapa).

2.1.3. O Princípio Holográfico

Pense no que isso significa. Toda a informação sobre tudo o que já caiu dentro daquele volume 3D (o livro, uma estrela, uma nave espacial) pode ser perfeitamente descrita e "armazenada" na superfície 2D da sua borda.

Isto é exatamente como funciona um holograma: uma superfície 2D (a placa holográfica) armazena toda a informação necessária para projetar uma imagem 3D completa.

Essa descoberta deu origem ao "Princípio Holográfico": a ideia de que a informação de qualquer volume do espaço pode ser codificada na sua fronteira. Levado ao extremo, isso sugere que o nosso próprio universo 3D, em que vivemos, pode ser uma "projeção holográfica" de informação armazenada numa vasta superfície 2D distante, na borda do cosmos.

O buraco negro é a prova física. Ele é um holograma cósmico.

2.1.4. Conclusão: O "It from Bit" Ganha Força

O buraco negro mostra-nos que, no nível mais fundamental, a realidade parece não ser feita de "espaço" 3D. Ela parece ser feita de "informação" 2D que cria a ilusão do espaço 3D.

O "It" (o buraco negro 3D) emerge do "Bit" (a informação codificada na sua superfície 2D).

Portanto, quando falamos que o universo é informação, não estamos apenas a usar uma metáfora de computador. Estamos a seguir a evidência matemática que vem dos objetos mais misteriosos e densos da criação. A realidade "sólida" que tocamos pode ser, de facto, o "output" de um código subjacente.


Pergunta ao leitor: Se o universo é, na sua essência, informação, o que é a consciência? Seria ela apenas um "software" a correr nesse "hardware" cósmico, ou seria o próprio "programador"?


3. A Conexão "Não Por Acaso": Propósito num Universo de Código

Agora, vamos juntar as duas ideias.

  1. O tempo não flui. O passado, o presente e o futuro coexistem num "bloco" de universo (como um filme inteiro que existe de uma vez, embora o vejamos fotograma a fotograma).

  2. A substância fundamental desse "bloco" não é matéria, mas informação.

O que isto significa para a nossa busca por sentido, para aqueles momentos de sincronicidade que parecem ser tudo menos "acaso"?

Se vivemos num universo informacional, a nossa consciência não é apenas um passageiro passivo sendo arrastado pela "seta da entropia". A nossa consciência é, ela própria, um processo informacional.

Isto abre possibilidades fascinantes:

  • A Consciência como Leitor: A nossa sensação de "tempo" é a nossa consciência a "ler" o bloco de informação, fotograma a fotograma, na direção da entropia.

  • Sincronicidade como Ressonância: E se um momento de sincronicidade — aquela coincidência espantosa — for um "glitch" nessa leitura linear? Pode ser um momento em que a informação da nossa psique (um medo, uma pergunta, uma necessidade) entra em ressonância direta com um padrão de informação no universo. Não é que uma causou a outra no tempo; é que ambas as peças de informação estão intrinsecamente ligadas nesse grande "código".

  • O "Acaso" é o Código a Correr: O "acaso" pode ser simplesmente o desenrolar estatístico do programa, a geração de ruído e desordem (entropia).

  • O "Propósito" é Reconhecer o Padrão: O "Não Por Acaso" é o momento em que o leitor (a nossa consciência) reconhece um padrão significativo dentro do código — um padrão que nos liga ao sistema de uma forma mais profunda.

Nesta visão, o propósito não é algo que nos é dado por um destino rígido, nem algo que inventamos do nada. O propósito é um ato de leitura. É a nossa capacidade de encontrar significado e conexão dentro de uma realidade que é, fundamentalmente, uma vasta rede de informação.


4. Conclusão: De Prisioneiros do Tempo a Leitores do Código

As ideias de que o tempo é uma ilusão e a realidade é informação são profundamente desorientadoras. Elas desafiam o nosso senso comum. Mas, em vez de nos levarem ao niilismo (se nada é real, nada importa), elas podem abrir uma porta para uma visão mais profunda da nossa existência.

Se o tempo não é um mestre cruel a arrastar-nos para a frente, e se a realidade é um fluxo de informação, talvez sejamos mais do que vítimas do acaso.

Talvez a nossa tarefa não seja lutar contra o tempo ou decifrar um destino pré-escrito. Talvez a nossa tarefa seja aprender a ler o código da realidade com mais atenção — atentos aos padrões, às ressonâncias e às conexões que nos lembram, nos momentos mais inesperados, que talvez nada disto seja realmente por acaso.

Reflexão final ao leitor: Se a sua vida é um fluxo de informação, que "padrões" significativos você tem ignorado, classificando-os como mero "acaso"?



O que é Sincronicidade? 

A sincronicidade é um dos conceitos mais fascinantes e, por vezes, mal compreendidos da psicologia moderna. O termo foi cunhado pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung para descrever algo que todos já experienciamos, mas que lutamos para definir: a coincidência significativa.

Diferente da "causalidade" (onde A causa B de forma linear e no tempo), a sincronicidade é um "princípio de conexão acausal".

Em termos simples, a sincronicidade ocorre quando dois ou mais eventos acontecem ao mesmo tempo de uma forma que tem um significado profundo para a pessoa que os observa, mas sem que haja uma ligação causal aparente entre eles.

Os componentes-chave da sincronicidade são:

  1. Um Evento Psíquico (Interno): Um pensamento, um sonho, uma emoção intensa, ou uma pergunta com a qual você está a lutar. (Ex: Você sente uma angústia súbita e pensa num amigo de infância que não vê há 20 anos).

  2. Um Evento Físico (Externo): Um evento no mundo objetivo. (Ex: Cinco minutos depois, esse mesmo amigo liga-lhe do nada).

Não há uma causa física que possamos medir: o seu pensamento não causou a chamada telefónica. No entanto, a probabilidade daquele evento exato acontecer naquele momento exato é tão remota, e o significado para si é tão profundo, que classificá-lo como "mero acaso" parece inadequado.

Para Jung, estes não eram acidentes estatísticos, mas sim vislumbres de uma camada mais profunda da realidade — um "Unus Mundus" (Mundo Único) — onde a nossa psique (mente) e o mundo material (matéria) não estão separados, mas são duas faces da mesma moeda.

No contexto do nosso artigo sobre "Universo como Informação", a sincronicidade pode ser vista como um momento de ressonância informacional: um instante em que o padrão de informação da sua consciência se alinha perfeitamente com um padrão de informação no fluxo do universo.

É o universo a "piscar-nos o olho", lembrando-nos que estamos conectados ao todo.


Respostas às Reflexões do Leitor 

Estas são as perguntas que ficam no ar após explorarmos o tempo como ilusão e a realidade como informação. São, talvez, as questões mais importantes. Aqui está uma tentativa de navegar por elas, mantendo o espírito do Não Por Acaso:

Pergunta 1: Se o seu passado e o seu futuro já 'existem' nesse bloco de universo, o que isso significa para o seu livre-arbítrio?

Esta é a tensão clássica entre o determinismo (o "bloco de universo") e a nossa experiência vivida de escolha. Uma perspectiva fascinante é que o nosso "livre-arbítrio" pode não ser a capacidade de mudar o futuro (pois ele "já existe" no bloco), mas sim a nossa experiência subjetiva de o descobrir.

Pense novamente na analogia do filme. O filme inteiro existe, do primeiro ao último fotograma. Quando o vemos pela primeira vez, a nossa experiência de suspense, de escolha dos personagens, de surpresa, é 100% real para nós. O facto de o fim já estar "escrito" não anula a nossa experiência de o viver.

Talvez o livre-arbítrio seja a própria consciência a "iluminar" o caminho através do bloco de universo. A nossa escolha é o caminho que já estava lá. Nós não decidimos o caminho; nós somos a decisão. O "Não Por Acaso" sugere que a nossa sensação de "escolha certa" é, na verdade, um alinhamento com um padrão de informação que já nos conecta ao nosso "futuro" nesse bloco.

Pergunta 2: Se o universo é, na sua essência, informação, o que é a consciência? Seria ela apenas um 'software' a correr nesse 'hardware' cósmico, ou seria o próprio 'programador'?

O Não Por Acaso sugere um caminho do meio: a consciência não é o "programador" (o que implicaria uma separação) nem apenas o "software" passivo (o que implicaria sermos robôs).

A consciência é o leitor.

Num universo de informação, a informação só "existe" verdadeiramente quando é lida, observada, ou interpretada. Sem um leitor, o código é apenas potencial. A consciência é o processo pelo qual o universo se lê a si mesmo.

Nós somos os "terminais" através dos quais o fluxo de informação cósmica se torna uma experiência vivida — dor, alegria, cor vermelha, propósito. A consciência é o "feedback loop" onde o universo-como-informação se observa e, ao fazê-lo, colapsa o potencial (o "Bit") em realidade (o "It").

Reflexão Final: Se a sua vida é um fluxo de informação, que 'padrões' significativos você tem ignorado, classificando-os como mero 'acaso'?

Esta é a prática diária do Não Por Acaso. Os padrões que mais frequentemente ignoramos são os sussurros, não os gritos.

Ignoramos a repetição de certos números que surgem quando estamos a pensar num problema específico. Ignoramos encontrar a pessoa "certa" no elevador, que menciona casualmente a solução para um dilema que temos há semanas. Ignoramos aquela sensação de "déjà vu" que nos diz que "este momento é importante".

Descartamo-los como "apofenia" (a tendência humana para ver padrões no ruído) porque é mais confortável. Reconhecer estes padrões exige algo de nós: exige que paremos, reflitamos e talvez mudemos de rumo.

Viver num mundo de "mero acaso" é mais fácil, pois liberta-nos da responsabilidade de ouvir. Mas se a vida é um fluxo de informação, então esses "acasos" são, talvez, os pacotes de dados mais importantes que estamos a receber.


Bibliografia e Referências

  • Casas González, Alberto. (2024). "A física moderna sugere que o tempo não avança – é apenas uma ilusão". National Geographic Portugal / The Conversation. (Acessível em: https://www.nationalgeographic.pt/ciencia/fisica-moderna-sugere-que-tempo-nao-avanca-e-apenas-ilusao_5136)

  • Jung, C. G. (1952). Synchronicity: An Acausal Connecting Principle. (Em português: Sincronicidade: Um Princípio de Conexão Acausal).

  • Rovelli, Carlo. (2017). The Order of Time. (Em português: A Ordem do Tempo).

  • Wheeler, John Archibald. (1990). "Information, Physics, Quantum: The Search for Links". Artigo que popularizou a frase "It from Bit".

Palavras-Chave

Sincronicidade, Tempo, Física Quântica, Informação, Consciência, Entropia, Significado

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Tempo Não Anda para a Frente. A Realidade é um Código. E o que Isso Significa?

  Introdução: Desmontando o Relógio Cósmico Nossa experiência mais fundamental da realidade é o tiquetaque implacável do tempo. O passado é ...